REVISTA ACADÊMICA UNIVERSO SALVADOR, Vol. 3, No 6 (2017)

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VISÃO CRÍTICA SOBRE A CONVENÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Gustavo Vieira

Resumo


KISHI, Sandra Akemi. Visão crítica sobre a Convenção da Biodiversidade – seus objetivos, soberania estatal e acesso ao conhecimento tradicional. In: Revista Internacional de Direito e Cidadania. São Paulo: n. 6, p. 207-218.

Em seu art. 1º a CDB estabelece como seus objetivos “a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado”. Segundo Kishi, entretanto, o CGEN – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, não vem observando a contrapartida, necessária contrapartida tecnológica na concessão de autorizações à bioprospecção no Brasil.

O art 15 da Convenção restringe a discussão sobre bioprospecção ao acesso a recursos genéticos, logo afastando de seu âmbito de incidência atividades de caça ou extrativismo. A soberania nacional sobre esses recursos biológicos insere-se em uma lógica de gestão e não de domínio. A CDB possui força normativa cogente, incorporando em seu seio o direito soberano dos Estados à exploração de seus recursos naturais nos termos de suas próprias políticas ambientais (art. 21 da Declaração de Estocolmo). Não obstante, essa exploração deve guiar-se pelas disposições orientadoras contidas na Convenção, em especial a sustentabilidade.

Ademais, em matéria de cooperação internacional, são regidos pelos princípios de acesso equitativo, precaução, informação, participação e reparação integral. No particular, o preâmbulo da CDB expressamente consignou a concepção de responsabilidades comuns, mas diferenciadas em relação ao meio ambiente entre países centrais e periféricos. Nesse plano, o acesso à biodiversidade deve ser compensado pelo sinalagmático aporte financeiro e tecnológico de modo impedir a reprodução de lógicas de subdesenvolvimento global.  Kishi aponta que a Convenção operou ainda uma alteração substanciosa sobre a tutela do meio ambiente: a substituição da concepção de patrimônio comum (res communes) pela de “preocupação comum” da humanidade.

Desse modo, abre-se margem às particularidades de cada Estado nacional em uma perspectiva solidária. A soberania não pode ser usada como reserva à degradação ambiental. A gestão estatal de seus recursos ambientais no Brasil é sufragada no art. 225 CF que consagra o paradigma da sustentabilidade. Para Comparato, esse paradigma (de sustentabilidade) não pode ser deixado ao alvitre do livre mercado, devendo o Estado-gestor garantir sua preservação intergeracional.

Quanto ao acesso ao conhecimento tradicional e repartição de benefícios “a CDB sustenta-se em uma tríade em que cada vértice da base está representada pela ‘[1] utilização sustentável (art. 1º) e o valor econômico (art. 8º, “j”); [2] a “conservação da diversidade biológica” (art. 1º) e o valor cultural (art. 8º, “j”); e [3] “acesso adequado” (art. 1º) e repartição de benefícios’”. Nesse prisma, deve-se garantir a aprovação (consentimento) e participação detentores (representatividade das comunidades tradicionais) desse conhecimento.

A estruturação da CDB e a configuração do art. 232 CF (-Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo-) garantem a legitimidade das comunidades indígenas nos processos de consentimento prévio.

“Para a efetividade dessa participação, é preciso que as trocas de informações constantes e as tratativas para o contrato de acesso e utilização deem-se na língua ou dialeto dos detentores, com assessoria jurídica e apoio de profissionais das multidisciplinas de interface. O laudo antropológico independente é um dos instrumentos de política de acesso que pode abrigar informações técnicas sobre a cultura e o sistema de organização sociopolítico da comunidade tradicional e sobre o grau da dinâmica de troca de informações e de esclarecimento por parte dos provedores sobre as finalidades do acesso” [p. 214].

Em linhas gerais os Estados detém a obrigação de criar condições de acesso a utilização sustentável de recursos genéticos, afastada repartição de benefícios anteriores a edição da Convenção. O acesso a recursos genéticos tem natureza jurídica contratual sendo a repartição de benefícios, matiz transacional. A excepcionalidade de desconsideração do consentimento deve ser interpretada restritivamente assim como devem ser previstos mecanismos de retornos de benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos aventados.




ISSN 2179-1589

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