REVISTA ACADÊMICA UNIVERSO SALVADOR, Vol. 3, No 6 (2017)

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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO

Gustavo Vieira

Resumo


RESUMO: SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador: Centro de Atualização Jurídica (CAJ), v. 1, n. 1, 2011.

Crise do Estado Social e dos Direitos Fundamentais

A utilização do signo social em termos caros à Ciência Política como Democracia, Estado e Justiça, longe de configurar mera “armadilha semântica” pleonástica, são instrumento de ênfase normativa.

A expressão consigna “certo grau de intervenção estatal na atividade econômica, tendo por objetivo assegurar aos particulares um mínimo de igualdade material e liberdade real na vida em sociedade, bem como a garantia de condições materiais mínimas para uma existência digna” (p. 4). A contrariedade a esse paradigma “social” corresponde à ascensão do modelo consenso (neo) liberal sobre os escombros do welfare state.

Para Sarlet, esse novo modelo enfraquece a capacidade do poder público em efetivar os direitos fundamentais afetando mesmo a noção de cidadania como "direito a ter direitos" (Celso Lafer), consubstanciando-se uma espécie de "fascismo societal" (Boaventura). A própria concepção de Estado nacional soçobra em meio à dinâmica macroeconômica global em um processo de “desterritorialização da política” (José Eduardo Faria). No quadro geral, constata-se uma ampliação da opressão socioeconômica em termos de exclusão social, supressão de direitos e precarização de garantias jurídico-institucionais.

A perda da capacidade prestacional do Estado enseja espécie de efeito cascata no que tange à efetividade dos demais direitos fundamentais em especial no que tange ao aumento do índice de criminalidade, o que afetam bens jurídicos mais diversos. Há uma crise de eficácia, reconhecimento e crença em face dos DF.

Terminologia e conceito dos Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais correspondem àqueles positivados no texto constitucional ao passo que os direitos humanos, aos contemplados pelo direito internacional. “Os direitos fundamentais podem ser conceituados como aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, pelo seu objeto e significado, possam lhes ser equiparados, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui consideramos a abertura material consagrada no art. 5º, § 2º, da CF” (p. 11).

A diversidade funcional e complexidade estrutural dos DF assumem dupla perspectiva objetiva / subjetiva. Na esteira de Alexy, Sarlet os classifica em dois grandes grupos: (1) Direitos de Defesa e (2) Direitos a Prestação, este último subdividindo-se em: 2.1 direitos prestacionais l.s. e 2.2 direitos prestacionais s.s..

Os (1) Direitos de defesa, de matriz liberal-burguesa servem à limitação do poder estatal e garantia de um espaço de liberdade do indivíduo. No orbe objetivo, configuram normas de competência negativa ao Estado. No orbe subjetivo, ao poder de exigir do Estado comportamento omissivo. Aproximam-se do status negativus / libertatis de Jellinek.

Os (2) Direitos à prestação, servem à implementação de condições fáticas materialmente assecuratórias das liberdades fundamentais.  Aproxima-se do status positivus de Jellinek.

Os (2.1) direitos prestacionais l.s., referem-se à participação democrático-procedimental, revestindo-se de configuração defensiva, como o direito à greve e a liberdade de associação sindical; Espécie de status negativus socialis / libertatis.

Os (2.2) direitos prestacionais s.s., referem-se à prestações sociais materiais, revestindo-se de caráter redistributivo, “fatores de implantação da justiça social”; Espécie de status posituvus socialis.

A tensão entre liberdade e igualdade, característica da concepção liberal de sociedade deve ser substituída por uma perspectiva de complementaridade dialética que perfectibilize, efetivamente, a dignidade da pessoa humana.

Os direitos prestacionais tem como objeto prestações fáticas que exigem uma posição ativa do Estado. Em decorrência disso sua dimensão econômica torna-se mais patente, envolvendo discussões em torno dos limites conjunturais de sua aplicação (reserva do possível) e de legitimidade democrático-legislativa na alocação de recursos escassos.

A estrutura jurídico-normativa de sua de positivação confere especial grau de espaço para atividade concretizadora do legislador.

O problema da eficácia dos direitos fundamentais sociais

Entende-se vigência como existência jurídica da norma após regular promulgação e publicação. Entende-se eficácia como potencialidade da norma em gerar efeitos jurídicos. Esta última não se confunde com efetividade, ou eficácia social, que se refere à materialização do direito no mundo dos fatos. A aplicabilidade, enquanto realizabilidade jurídica da norma, é o consectário lógico de sua eficácia.

A aplicabilidade imediata das normas de DF contemplada pelo art. 5º, §1º CF tem âmbito de abrangência amplo à luz de uma interpretação teleológico-sistemática. A forma de sua positivação, contudo, pode ensejar uma eficácia limitada (ex. art. 5º, XXXII e art. 7º XI CF).

Independente de sua densidade normativa e forma de positivação, todos os direitos fundamentais revestem-se das seguintes cargas eficaciais: (a) acarretam a revogação de normas anteriores que lhes são contrárias; (b) contém imposições que vinculam o legislador; (c) impõe a inconstitucionalidade dos atos normativos com elas incompatíveis; (d) impigem parâmetros de interpretação/integração/aplicação normativa; (e) encerram uma posição jurídico-subjetiva ainda que negativa.

Neste último item que se coloca a problemática de vedação ao retrocesso no que tange aos direitos prestacionais originários (vez que os derivados, de igual acesso, de natureza defensiva e não discriminatória, não desenvolvem maiores dilemas decisórios). A realização desses direitos envolve um intrincado processo de sopesamento entre o direito a dada prestação colimada em face da reserva do possível, do princípio democrático de reserva orçamentária parlamentar, e da própria separação de Poderes da República.

Avulta-se, portanto o matiz principiológico do art. 5º, §1º, nos termos de Alexy. Para Sarlet, “o princípio da dignidade da pessoa humana assume, no que diz com este aspecto, importante função demarcatória, podendo servir de parâmetro para avaliar qual o padrão mínimo em direitos sociais (mesmo como direitos subjetivos individuais) a ser reconhecido” (p. 36). “Com efeito, quanto mais diminuta a disponibilidade de recursos, mais se impõe uma deliberação democrática a respeito de sua destinação, especialmente de forma a que sejam atendidas satisfatoriamente todas as rubricas do orçamento público” (p. 38). 

Ao juiz não cabe serenamente aguardar uma revolução democrática. O jurista é parte da engrenagem social e, mais que isso, dotado de responsabilidade social pelo locus privilegiado de poder público que ocupa. Isso não deve servir a um messianismo jurídico. Cabe à magistratura não apenas a estabilização de expectativas, mas de reorientação das deliberações democráticas a sua legítima Ágora, e, mais importante, descortinar o que está lá está em jogo.




ISSN 2179-1589

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