REVISTA ACADÊMICA UNIVERSO SALVADOR, Vol. 3, No 6 (2017)

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SUPREMOCRACIA

Gustavo Vieira

Resumo


RESUMO: VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. In: Revista Direito GV. São Paulo: jul-dez/2008, p.441-464.

Há, e, realidade, uma tendência ao fortalecimento da autoridade dos tribunais em geral. Para alguns estudiosos, trata-se de efeito correlato aos imperativos de segurança jurídica (tão cara ao Direito) exigidas pela expansão do sistema de mercado em face possíveis demandas legislativas populistas.

Passa-se a recorrer com maior intensidade ao Judiciário devido à do sistema representativo impossibilitado de cumprir as promessas do Estado social democrático. Esse deslocamento de autoridade caminha peri passu à adoção de textos constitucionais cada vez mais ambiciosos de natureza rígida. Essa “hiperconstitucionalização”, porém acaba ensejando o “amesquinhamento do sistema representativo” (p. 442).

Nos EUA, esse ativismo tem seus primórdios na Era Locher. A partir da doutrina do substantive due process, o judicial review passou a encampar não apenas requisitos formar, mas a própria razoabilidade de dado ato normativo dos demais poderes. Na Europa, esse tipo de postura tomou forma pós II Guerra, em especial na Alemanha e Itália, refletindo uma “enorme desconfiança na democracia de massas” (p. 443).

A transição democrática, após experiências totalitárias e de colonização tende à institucionalização de um texto constitucional ambicioso, que contemple uma jurisdição fortalecida, de modo a imunizar o sistema em face de novas cofluências autoritárias. Esse foi o caso não apenas dos países do Eixo como das Cartas portuguesa, sul-africana e indiana. Essa configuração normativa, entrementes, altera o perfil funcional de uma Corte Constitucional enquanto mero legislador negativo, nos moldes kelseniano, atribuindo-lhe matiz estrutural de garantidor das prestações estatais asseguradas nas Cartas Magna.

As peculiaridades do modelo brasileiro acentuaram ainda mais essa tendência conjuntural. Pelo desenho institucional brasileiro, o STF além de “acumular as funções de tribunal constitucional, órgão de cúpula do Poder Judiciário e foro especializado, no contexto de uma Constituição normativamente ambiciosa, teve o seu papel político ainda mais reforçado pelas EC 3/93 e 45/05, bem como pelas Leis 9868/99 e 9882/99, tornando-se uma instituição singular”, uma “Supremocracia”.

Em primeiro lugar, a expressão faz referência ao instituto da Súmula Vinculante (EC 45/05), instituto concebido para contornar a falta de cultura de stare decisis do common Law no modelo de controle de constitucionalidade brasileiro, tradicionalmente difuso.

Em segundo lugar, a expressão alude à circunstância que “a ampliação dos instrumentos ofertados para a Jurisdição constitucional tem levado o Supremo não apenas a exercer uma espécie de poder moderador (sic), mas também responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substantiva, ora validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos, outras vezes substituindo as escolhas majoritárias. Se esta é uma atribuição comum a outros tribunais constitucionais ao redor do mundo, a distinção do Supremo é de escala e de natureza” (p. 445).

Apesar do próprio D. Pedro II referenciar a importância de uma Corte Suprema, foi apenas com a CF-88 que o STF passou ocupar posição central no aspecto político. Até então a Corte ocupara posição subalterna, seja diante do poder do monarca no Império, seja às rupturas institucionais patrocinadas pelo Exército na República.

Porém, para o autor, “o Supremo estaria acumulando exercício de autoridade, inerente a qualquer intérprete constitucional, com exercício de poder [o qual] deveria ficar reservado a órgãos representativos” (p. 446), sujeitos a controle efetivamente democrático.

Segundo Oscar Vilhena, há um ethos ambicioso da CF-88, um compromisso maximizador, uma pretensão à ubiquidade.     Essa hiperjuridificação, contudo, ensejou uma explosão de litigiosidade constitucional que, aliada à arquitetura do Judiciário brasileiro, auferiu ao STF, uma espécie de hipertrofia institucional. Afinal, a Corte acumula as já citadas funções de: (1) Tribunal Constitucional; (2) Foro especializado; e (3) Órgão de apelação.

Quanto a (1), a abertura do controle de constitucionalidade pelo art. 103 CF, a possibilidade de utilização de amicus curiae e a realização de audiências públicas são mecanismos voltados à democratização procedimental do STF, mas que aumentam sua “voltagem política”. Quanto a (2), o caráter aristocrático do foro privilegiado torna o STF um “tribunal de pequenas causas políticas”. Quanto a (3), levou (antes da adoção do critério de repercussão geral) à extraordinária cifra de cem mil processos/ano.

Esse volume excessivo ocasiona uma “espécie de certiory informal” sujeira a uma discricionariedade monocrática avessa ao controle público.

O fortalecimento da jurisdição constitucional vivenciado no Brasil ao mesmo tempo em que consolida o Estado de Direito, fragiliza o sistema representativo. Deve-se, por conseguinte, adotar mecanismos que racionalizem essa jurisdição e mitiguem esse “mal-estar supremocrático” (p. 457). A adoção da repercussão geral e da súmula vinculante são passos importantes nessa direção. Dessa forma, o processo deliberativo do STF pode tornar-se mais consistente, menos fragmentário, não um mero “somatório aritmético de votos díspares” (p. 458).

A integridade das decisões do Tribunal perpassa pela própria transparência de sua agenda decisória como o estabelecimento de standards interpretativos efetivamente consistentes



ISSN 2179-1589

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