REVISTA ACADÊMICA UNIVERSO SALVADOR, Vol. 3, No 6 (2017)

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DISCRIMINAÇÃO RACIAL E PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE.

Gustavo Vieira

Resumo


Professor Universo Salvador

RESUMO: GOMES, Joaquim Barbosa. Discriminação racial e princípio constitucional da igualdade. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: a.36, n.142, abr/jun 1999, p. 307-323.

A promoção da justice social é uma práxis coletiva. O establishment jurídico brasileiro, contudo, relegou à irrelevância por muito tempo, afeito a um individualisme à outrance. Essa forma de poder é, em muitos casos, excessiva e injustificada, e só se explica pelo isolamento cultural em que vivemos, cujo efeito mais devastador reside na falta de referências, de parâmetros de comparação.

Divisor de águas nesse cenário foi a Lei 7347/85 que instituiu a Ação Civil Pública e a própria CF. Passava-se a tutelar direitos “afetos à coletividade como um todo” (public interest Law); irrompia-se o social na paisagem do processo (Barbosa Moreita).  Destaque-se que a força normativa originária da ACP fora tolhida por veto presidencial que afastara sua incidência de direitos outros que não relativos aos direitos ao meio ambiente, do consumidor e ao patrimônio histórico. Essa situação apenas foi superada com o advento do CDC.  A noção de interesse público pode integrar direitos gerais da sociedade, direitos de determinados grupos (s.s.) e direitos individuais indisponíveis.

Essa categoria intermediária pode referir-se a um conjunto determinado, formado por algum vínculo de appartenance/membership (ex. grupo profissional, étnico, ou religioso); ou um conjunto indeterminado ou de difícil determinação (ex. consumidores, contribuintes, habitantes), ligados por uma circunstância de fato / relação jurídica base. São respectivamente os direitos coletivos e difusos, ambos indivisíveis. Nos termos do CDC: Art. 81 (...) Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

“São, portanto, muito próximas as noções de interesses ‘difusos’ e ‘coletivos’. Enquanto os primeiros dizem respeito a direitos e interesses importantes para a coletividade como um todo, os últimos se destacam por serem pertinentes a um grupo suscetível de identificação” (p. 304).

Devido à importância na configuração geral da sociedade brasileira, parece ser mais adequado localizar a dimensão étnica na categoria dos direitos difusos. A “tentação diversionista” da cultura jurídica brasileira de privilegiar abordagens periférico-formais em detrimento das questões de fundo material encontra como óbice não apenas a nova ordem constitucional como a própria dinâmica do mercado que tende a incorporar à sociedade de consumo, massas marginalizadas da sociedade.

Em relação à tutela jurídica desses direitos, ao MP foi concedido especial destaque pela Carta Magna. A qualificação técnica e prestígio profissional de seus membros, fragilidade institucional de organizações da sociedade civil e a falta de espírito de community (inércia em torno de questões pública) reforçam a importância da legitimidade do parquet nessa matéria.

Embora o art. 129 CF não faça menção expressa à dimensão étnica dos direitos difusos, da leitura do art. 215 e 216 depreende-se que é reconhecido pela Constituição “condição de grupo social portador de certas características histórico-culturais, diferenciadoras dos demais elementos componentes da Nação (...). Em suma, reconhece-lhes o caratê de grupo dotado de direitos específicos”. Nessa senda, a LC 75-93 em seu art. 6º, VII já alberga a proteção às minorias étnicas em seu seio.

A coletivização do processo via ACP favorece a celeridade judicial, sua isenção de custos sucumbenciais democratiza ao acesso à justiça e a atuação do MP abre margem à celebração de composições civis.

A cofluência dos direitos fundamentais à igualdade e a educação configuram campo propenso a essa atuação. “O dinheiro dos impostos pagos por toda a sociedade é canalizado, primeiro para subsidiar a escola privada de ensino fundamental e médio à qual apenas os ricos têm acesso; em segundo, para financiar integralmente a universidade pública a que somente esses mesmos privilegiados terão acesso”. Dificuldades análogas vivenciadas pelos EUA foram enfrentadas com forte mobilização da sociedade o que resultou na década de 1960 com a aprovação pelo Congresso americano do Programa de Direitos Civis, abrangendo uma multiplicidade de ações de promoção de igualdade sócio-racial.

A diversidade racial, por exemplo, é incentivada em todo estabelecimento de ensino que goze de apoio do governo (Discrimination in federaty assisted programs). Nesse quadro a ACP manejada por ONG’s e o MP configura instrumento adequado para lutar contra iniquidades raciais na conjuntura social brasileira. Porém, até bem pouco tempo preponderava certa cultura jurídica refratária a sua utilização, espécie de effet de blocage do Judiciário por meio de “technicalities ou mumbo jumbo, isto é, medidas judiciais estapafúrdias de conteúdo meramente processual”.

Esse esprit d’antan ainda grassa a própria instituição ministerial nas quais há por vezes um preferência a atuação em causas individuas na função subalterna de custos legis, em detrimento da assunção de papel de “promotor da cidadania” concebido pela CF. Nesse contexto Barbosa sugere que a sociedade civil pressione o Executivo e Legislativo, estabeleça pontes com o MP e abandone a “militância de gueto” em prol de articulações internacionais.

Barbosa sugere a aplicação da Doutrina do Disparate Impact, na qual “as Cortes de Justiça não se limitam a verificar a compatibilidade vertical, aparente, semântica, das normas infraconstitucionais com dispositivos específicos da Constituição, mas, ao contrário, escrutinizam os seus ‘resultados’ à luz do objetivo constitucional que se quer atingir, que é a igualdade efetiva. Assim, uma norma ou medida governamental que tenha toda a aparência de ser plenamente compatível com a Constituição (facially neutral provision), quando examinada sob a ótica dos resultados que ela produz ou poderá vir a produzir, pode ser considerada inconstitucional em função do impacto desproporcional (Disparate impact) que produzirá em certos segmentos vulneráveis da sociedade. E isso será o bastante para a respectiva invalidação”.




ISSN 2179-1589

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