REVISTA DE TRABALHOS ACADÊMICOS – UNIVERSO BELO HORIZONTE, Vol. 1, No 7 (2022)

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O DIREITO DE REVOGAÇÃO: Uma revisão de literatura do recall e do abberufungsrecht

Vinicius da Costa Gomes

Resumo


No Estado Democrático de Direito não há que se falar em irresponsabilidade dos agentes políticos. Há ainda que se diferenciar a responsabilização penal da político-administrativa. No caso brasileiro a Constituição prevê as duas responsabilizações, sendo que o impeachment se refere à responsabilização político-administrativa.

Contudo, é necessário diferenciar a responsabilização da possibilidade de revogação do mandato. Na responsabilização o agente político comete algum ato que por ser contrário a lei enseja numa responsabilização. Caso se esteja diante de uma lei penal com previsão de pena privativa de liberdade há o cometimento de um crime, já diante da previsão de uma lei político-administrativa há a possibilidade da punição com: pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública. Nota-se que o impeachment é apenas uma das possíveis sanções ao Chefe do Executivo que pratique um fato que se enquadra num dos dispositivos previstos na Constituição e na lei 1.079/50.

Sendo assim, é necessário salientar que o instituto do impeachment não é utilizado para destituição do Chefe do Executivo de seu cargo por insatisfação popular. Para tal mister há o chamado direito de revogação.

O direito de revogação é um mecanismo excepcional existente em algumas democracias semi-diretas em que o povo (BONAVIDES, 2014, p.313) ou uma fração do corpo político (SOARES, 2011, p. 252) pode retirar o mandato eletivo de um funcionário, parlamentar ou magistrado antes da expiração do prazo legal.

Nota-se que o direito de revogação é um instrumento de democracia direta, podendo ser utilizados nesse tipo de democracia ou então nas chamadas democracias semi-diretas (aquelas em que se tem uma democracia indireta com instrumentos de democracia direta).

O direito de revogação tem três modalidades:[1] recall; mandato imperativo e abberufungsrecht.

O recall é uma forma de revogação individual que permite a destituição do mandato de parlamentares ou magistrados pelo seu eleitorado (SOARES, 2011, p.252). O povo, como titular do poder soberano, pode se assim o acha devido retirar o mandato desses agentes políticos por falta de decoro ou mesmo por falta de correspondência entre às expectativas no ato de representação.

Paulo Bonavides afirma que o recall pode ser utilizado pelo eleitorado para destituir esses agentes políticos cujo comportamento não lhe esteja agradando, seja qual for o comportamento adotado pelo funcionário (BONAVIDES, 2014, p. 313).

A doutrina afirma que esse instituto é muito utilizado na Suíça e nos Estados Unidos da America e era previsto no artigo 71 da Constituição de Weimar. Nos EUA não há a previsão desse instituto na esfera federal, existindo a sua previsão na esfera estadual e municipal. Ele existe em 12 estados-membros em cerca de mil municípios (SOARES, 2011, p.352; BONAVIDES, 2014, p.313-314). [2]

O instituto do recall geralmente prevê que um número determinado de cidadãos formule petição assinada contra o agente político em que não há mais confiança popular pedindo a sua destituição. Decorrido certo prazo sem que se efetive a demissão faz-se votação da petição. Interessante notar que é possível que nessa nova votação exista a concorrência de outros candidatos que não o sujeito ao recall. Logo, caso seja aprovada a petição o agente é destituído do cargo e caso seja rejeitada o agente permanece no cargo (BONAVIDES, 2014, p. 314).

Interessante notar que o recall é utilizado também para os magistrados e até mesmo para as decisões judiciais. As constituições do Oregon e da Califórnia, por exemplo, tem essa previsão. O recall no Judiciário é um tema extremamente controvertido. De um lado, há àqueles que são contrários a esse direito de revogação por entender que existiria ofensa à independência dos juízes. Por outro lado, há àqueles que entendem que da mesma forma que se dá ao povo o poder de revogação de administradores ruins (no âmbito do Executivo) e de legisladores ruins há que se conceder essa revogação no judiciário. O intuito seria evitar que o judiciário interferisse, por exemplo, no sentimento de reforma e processo social na declaração da constitucionalidade de leis (BONAVIDES, 2014, p. 315).

O mandato imperativo também é uma forma de revogação individual, mas que tem como destinatários os parlamentares[3]. Esse instituto possibilita a destituição dos cargos dos parlamentares que não satisfaçam, ideologicamente, ao seu eleitorado, ao qual devem prestar contas de seu mandato. Esse instituto foi adotado na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (SOARES, 2011, p. 252).

Já o abberufungsrecht é uma forma de revogação coletiva que resulta da cassação de toda uma assembleia (SOARES, 2011, p. 253). A ideia não é a de cassar o mandato de um determinado indivíduo, mas sim de vários representantes.

Segundo Paulo Bonavides nesse instituto há o requerimento de dissolução de uma assembleia por determinada parcela do corpo eleitoral em virtude de um decréscimo de confiança popular nesses representantes (BONAVIDES, 2014, p. 316). A ideia é que caso exista essa crise de representatividade o povo como poder soberano poderia destituir todo o colegiado de parlamentares elegendo outros para o seu lugar. Esse instituto é adotado em sete cantões e um semicantão da Suíça (BONAVIDES, 2014, p. 316).

A Constituição de 1988 fez a opção política de instituir uma democracia semidireta, ou seja, uma democracia, em regra, indireta com a previsão de alguns mecanismos de democracia direta. Há a previsão constitucional da possibilidade de eleição dos representantes políticos (mecanismo de democracia indireta) e a adoção de alguns instrumentos de democracia semidireta (art. 5º, LXXIII e 14 da Constituição de 1988[4]): plebiscito, referendo, iniciativa popular de leis e ação popular[5]. Nota-se que o constituinte não optou por instituir o direito de revogação, que é uma das espécies de instrumentos de democracia direta.

Logo, para a análise de qualquer caso concreto é necessário salientar que o constituinte não possibilitou a revogação do mandato pelo povo. A inexistência desse mecanismo não desnaturaliza a definição do Estado brasileiro como sendo democrático, até porque uma das formas de exercício dessa democracia é realizada por meio indireto.

Aliás, alguns teóricos, afirmam que na sociedade moderna a adoção de uma democracia direta seria impossível dada a complexidade das democracias constitucionais. Mário Lúcio Soares Quintão ao conceituar a democracia indireta cita José Gomes Canotilho, Georges Burdeau, Paulo Bonavides; para esclarecer a necessidade de uma democracia indireta. O autor traz como fatores que favorecem esse tipo de democracia: complexidade da sociedade moderna; vasto território; densa população; impossibilidade de captação direta da vontade política de todos os cidadãos em todos os momentos; a impossibilidade do homem moderno mergulhado em sua labuta cotidiana se dedicar tão somente às atividades políticas; dentre outras (SOARES, 2011, p. 249).

Essa pesquisa não irá se dedicar a esse assunto, já que haveria uma mudança no objeto de pesquisa e também porque há uma conceituação teórica majoritária de que o nosso texto constitucional optou pela democracia semidireta.

Contudo, para a análise da possibilidade do impeachment, objeto da pesquisa, é necessário salientar que a Constituição de 1988 optou por não adotar o direito de revogação, sendo assim, no Brasil não há possibilidade da revogação do mandato do parlamentar por petição popular. É necessário ressaltar que o Chefe do Executivo pode perder o seu mandato, mas, em virtude de crime penal ou infração político-administrativa.


[1] Paulo Bonavides (2014, p.313) cita apenas duas modalidades: recall e o Abberufungsrecht; já Mario Lúcio Quintão Soares (2011, p.252) afirma existir ainda a modalidade chamada de mandato imperativo.

[2] Na esfera estadual apenas o governador do Oregon em 1821 foi destituído pelo recall.

[3] Paulo Bonavides (2014) incluiu a possibilidade de destituição do mandato dos parlamentares no instituto do recall.

[4] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular.

[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;


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ISSN 2179-1589

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